29/03/2011

Pseudo Guidinha I

"Em 1888 nasceu um dos grandes génios portugueses: Fernando Pessoa. Pioneiro da corrente modernista, escreveu vários artigos para a revista «A Águia». "

Bla bla bla bla.
Uma voz chamava-me, oito metros abaixo do chão. "Mas a 8 m abaixo está a sala 9 do piso 1." Não, não era a voz de um aluno, ui... e muito menos de um professor. Fiz descer a franja sobre os meus olhos já cerrados e apontei todos os meus sentidos para a voz.
Só precisas de começar de novo. Parar de ser falsamente agradável, despoletar um tiroteio, talvez. Pára de rir e limpa as lágrimas. Começa uma guerra.
"E vou lutar pelo quê?"
Luta por ti. Ou é tão grande a tua auto-estima que nem a ti te defendes? Só precisas de começar. Queima esses livros, veste um pijama. Sei lá. Faz o que quiseres. Mas faz alguma coisa.
"Oh." respondi.
O quê, vais dizer-me que agora, para além do motivo, falta-te a arma?
"E falta."
Senti um arrepio. Sustive a respiração, por fim expirei.
"A arma está dentro de mim?"
Exacto. E o motivo são os cabrões desses sapos que andas a engolir.
"E como começo a guerra?"
De novo um arrepio.
Como a vais terminar?
"Encontrando a paz dentro de mim."
Alívio.
Impressionante. A única resposta que não tens medo de afirmar e está errada.
 
"Só saíram dois números da revista Orpheu, professora."

02/02/2011

Pseudo Alice I

No outro dia, não me perguntem quando, fui almoçar à casa da minha avó e estava lá uma senhora com uma conversa muito estranha. Segundo o que consegui apurar, porque estas coisas na aldeia são sigilosos boatos, ao pé da fonte velha está uma tampa de esgoto com uns 80cm de diâmetro e diz que quem lá põe o pé nunca mais é visto. "É engolido" afirmou a senhora.
No dia a seguir aquele fui lá. Vinha muito triste da escola porque o coiso já namorava e resolvi lá pôr o pezinho. Era a ver se desaparecia. Mas como estava assim uma chuva esquisita caí mesmo lá para dentro e pensei "ai que nojo, que estou num esgoto". Senti-me tal qual Alice a cair na toca do coelho do não-sei-quê  e pensei "ai que bom, um país das maravilhas" e não sei como aconteceu assim uma coisa muito estranha e de repente deixei de pensar. A minha mente parou tipo computador quando bloqueia.
E, pela primeira vez na minha vida, não pensei. Apenas senti.
E foi tão bom que queria que tivesse durado para sempre. E esse estúpido desejo fez-me pensar. Mas ainda antes de pensar, vi-me. Era eu um vermelho papagaio de papel, a flutuar no céu, ao sabor do vento, segredando às nuvens. E nunca me senti tão livre.
E estupidamente voltei a pensar (isto ainda antes do outro pensamento). Mas se estou presa por um fio, pensei, como é possível sentir-me livre? Olhei para baixo:
a minha trajectória era concebida ao acaso por umas suaves e inseguras e pequenas mãos.
E de facto estava livre porque tinha o meu futuro nas mãos de uma criança.
Uma criança que não pensava.
Entretanto ouvi a coisa dizer-me "eu sei que a aula é secante, mas também estares a dormir..."

16/10/2010

Ténue luz

Daqui ainda consigo vislumbrar um último raio de sol. Ténue, ilumina os teus olhos. Não consegues ver para além do imenso horizonte, que não te preenche o vazio. Não te satisfaz, não te conforta. Não te consegues sentir real… não consegues amar… não tens força, não tens voz. Saí para uma volta. Continuo a ver o sol a iluminar-te os olhos. Anoitece, mas o teu olhar é cada vez mais forte. É nas trevas que tu tens esse poder que tanto desejas. Porque não consegues ver nada, não consegues acreditar, não queres ouvir. E para mim, nada disto faz sentido. Eu preciso de claridade. Preciso de ti. Preciso que me olhes, com esses olhos cor de mel, diz-me que amas o sol. Diz-me que amas a poesia. Diz-me que amas os rouxinóis. Só aí te levarei a vida que tanto buscas. Primeiro tens de acreditar. Só depois me podes tocar. Nem tudo é o que aparenta ser. Não podemos crer só naquilo que os nossos olhos vêem. Temos que olhar muito mais fundo. Olha e verás. Verás que a noite não te ampara.

26/06/2010

Ritma

Escuta o ritmo do teu coração. Podes não percorrer o mundo todo, podes não conhecer metade das culturas que há a conhecer. Mantém a mente aberta e cria o teu próprio ritmo. Mexe os pés, define um movimento de braços. Sente a paixão que o rio traz consigo, ouve a música que o mar sopra devagarinho. Agora, levanta os braços outra vez, põe-te em sintonia com o ocenao e faz uma única melodia. Faz do teu ritmo o ritmo do oceano, transforma o teu ritmo com o ritmo da Natureza. Confuso? É agora a Mãe-terra a chamar por ti. Ouve-la? Entrega-te. Dança, se conseguires canta. Chama os amigos, ensina-lhes o teu ritmo. É o teu ritmo que está a mudar a Terra. Sê uma onda, sê uma árvore, sê uma nuvem. Mantém o ritmo e sê Natureza.

12/05/2010

Falar

Quase ninguém o consegue fazer
Pelo menos fazê-lo bem
Noto por mim
Não sou capaz

Tentei falar-te uma vez
As palavras não saíram
A minha boca não conseguiu
Aquilo que outrora

Ensaiou
Eu já não sei o que fazer
Meu irmão,
Estou assustada quanto ao futuro

E queria falar contigo
Estou perdida e tu também
Sentes-te como um pássaro
E só te apetece voar?

Só te apetece fugir?

Diz-me,
Como
Te
Sentes?

Eu sinto-me alguém que
Quer muito
Falar
Mas não sou capaz

Para mim, é mais fácil
escutar.

14/04/2010

A Viagem da Lágrima

Nasceu da saudade,
Numa noite calma mas fria;
Queria viver! Era essa a sua vontade…
Solenemente, a lágrima já prosseguia.

Devagar, de mansinho,
Ansiava alcançar o mar.
As rugas acariciavam-lhe o caminho,
Timidamente, a lágrima contemplava o luar.

Por cada poro que visitava,
Uma nova história conhecia:
A angústia de uma mulher abandonada;
O herói aventureiro e a sua derradeira profecia.

Junto aos lábios a lágrima parou
Reviveu a sua vida, recordou a sua passagem.
Suspirando, a lágrima constatou:
Nenhuma vida é mais do que uma viagem.

04/03/2010

O Bichano


Há já algum tempo passei numa rua muito bonita. Era espaçosa, muito agradável e longa. À frente de uma casa amarela estava um banco de madeira onde me sentei, estava cansado e as minhas pernas doíam-me. Sentei-me, fechei os olhos e inspirei fundo. Fiquei uns segundos com os olhos cerrados, sem respirar. Tentei desesperadamente ouvir o bater do meu coração, encontrar o íntimo da minha alma. Suspirei completamente transtornado e deixei-me escorregar pelo banco até ao chão. Olhando de frente, vi um gato preto. Não sou, de todo, uma pessoa supersticiosa e não achei aquela criatura sinal de azar. O gatinho, meio assustado, aproximava-se lentamente dos meus braços que estavam cruzados e suados. Abri-os de modo a formar colo para o meu novo amigo e ele aproveitou. Aconchegou-se, fechou os olhos e suspirou. Amparei-o ainda melhor, encostando a sua cabeça ao meu coração, talvez assim ele pudesse escutar o ritmo da minha alma. Apertei-o, não com muita força, para não o magoar. Fiquei bastante comovido. Decerto a minha mulher choraria se assim me visse, imagem que espero que alguém se tenha lembrado de retratar. De súbito, o vento soprou forte e o gatinho gemeu, com frio. Tirei o meu casaco e aqueci o bichinho, balançando-o lentamente. Começou então a chover. Fugi para debaixo do banco do passeio, com o bichano. Juntos e abraçado, aí adormecemos. O sono estendeu-se e quando acordei já era noite, a chuva parara e o chão secara. Tentei acordar o gato, mas este manteve-se imóvel. Estava gélido, morto. O bichinho estava morto. Desatei a chorar, berrando. Tentando-me controlar e lutando desesperadamente pela vida do bichano, passei numa clínica veterinária. Nada havia a fazer. Levei-o para casa e juntamente com a minha família enterramo-lo. Passei com ele um único momento, crucial para que eu me lembrasse que existe vida para além da bolha que ia construído, e que graças ao bichano, não deixei que me devorasse.