04/03/2010

O Bichano


Há já algum tempo passei numa rua muito bonita. Era espaçosa, muito agradável e longa. À frente de uma casa amarela estava um banco de madeira onde me sentei, estava cansado e as minhas pernas doíam-me. Sentei-me, fechei os olhos e inspirei fundo. Fiquei uns segundos com os olhos cerrados, sem respirar. Tentei desesperadamente ouvir o bater do meu coração, encontrar o íntimo da minha alma. Suspirei completamente transtornado e deixei-me escorregar pelo banco até ao chão. Olhando de frente, vi um gato preto. Não sou, de todo, uma pessoa supersticiosa e não achei aquela criatura sinal de azar. O gatinho, meio assustado, aproximava-se lentamente dos meus braços que estavam cruzados e suados. Abri-os de modo a formar colo para o meu novo amigo e ele aproveitou. Aconchegou-se, fechou os olhos e suspirou. Amparei-o ainda melhor, encostando a sua cabeça ao meu coração, talvez assim ele pudesse escutar o ritmo da minha alma. Apertei-o, não com muita força, para não o magoar. Fiquei bastante comovido. Decerto a minha mulher choraria se assim me visse, imagem que espero que alguém se tenha lembrado de retratar. De súbito, o vento soprou forte e o gatinho gemeu, com frio. Tirei o meu casaco e aqueci o bichinho, balançando-o lentamente. Começou então a chover. Fugi para debaixo do banco do passeio, com o bichano. Juntos e abraçado, aí adormecemos. O sono estendeu-se e quando acordei já era noite, a chuva parara e o chão secara. Tentei acordar o gato, mas este manteve-se imóvel. Estava gélido, morto. O bichinho estava morto. Desatei a chorar, berrando. Tentando-me controlar e lutando desesperadamente pela vida do bichano, passei numa clínica veterinária. Nada havia a fazer. Levei-o para casa e juntamente com a minha família enterramo-lo. Passei com ele um único momento, crucial para que eu me lembrasse que existe vida para além da bolha que ia construído, e que graças ao bichano, não deixei que me devorasse.

2 comentários:

Ana Luísa Pereira disse...

Sublime, a história do gato.
E obrigada.

Nilmar Barcelos disse...

Olá, Cláudia!
Eu tenho um bichano desses, só que é cinza com o rabo escuro. É fêmea e se chama Brisa. Um dia apresento-a para você =]